“Vejo que há muito para evoluir”
6 de maio de 2019
Mario Junior é administrador, com MBA em Logística Empresarial. É especialista em Investigações Corporativas e Prevenção a Fraudes Organizacionais por mais de 15 anos. Gerenciou mais de 4.000 entrevistas forenses no Brasil e é o primeiro brasileiro certificado pela International Association of Interviewers – CFI. Atualmente é sócio da S2 Consultoria, empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude e assédio, levando em conta o comportamento humano e seus desdobramentos nas organizações. “Eu costumo dizer que nenhuma empresa chegará perto da ética ideal, pelo simples fato desse movimento ter que ser constante. O que no passado não era aceito pelas empresas e sociedade, agora, dependendo do assunto, é aceito e o contrário também é uma verdade. O comprometimento da Diretoria Executiva é determinante para o desenvolvimento da ética corporativa, pois, os funcionários não podem ter a percepção que as atitudes de Compliance são apenas para cumprir a legislação ou “para inglês ver”. Se os funcionários tiverem a percepção de que esse assunto faz parte da pauta da empresa, que as normas e procedimentos são revisitados anualmente e que o fator humano tanto quando contratado pela empresa quanto já em atuação será suportado por um desenvolvimento customizado para aumentar seu grau de resiliência de integridade esse movimento sempre se retroalimentará”, afirma o especialista.
Mario, quais as principais motivações para uma fraude?
Quando realizamos entrevistas investigativas com suspeitos de atos de fraude no ambiente corporativo, uma das maneiras de auxiliarmos o entrevistado a falar a verdade é tentando buscar o porquê ele cometeu a fraude, pois, a partir do momento que temos conhecimento do motivo podemos gerenciar as consequências e apoiar o Comitê de Ética da empresa a tomar a sua decisão, não só baseado nas evidências e provas do trabalho de investigação, e sim também no porquê o entrevistado (funcionário) cometeu a fraude. Dessa forma, conseguimos humanizar a situação, pois, temos evidências, provas e o porquê o fraudador cometeu a fraude.
São várias as motivações alegadas e elas podem estar atreladas a problemas financeiros em que, às vezes, não existe ganância por trás, mas sim uma pressão para resolver um problema pessoal que pode ser de dívida ou de um problema de saúde na família. Porém, também existe a situação em que a ganância está presente, onde o fraudador percebe uma fragilidade em algum processo da empresa e busca obter vantagem para si, que geralmente está ligada a subsistência e manutenção de um padrão de vida elevado ou de um padrão que ele deseja ter. Assim, aquela renda obtida por meio da fraude acaba sendo incorporada nos seus rendimentos, por isso, se torna praticamente impossível ele deixar de cometê-la.
Outra possibilidade é quando o fraudador tem como objetivo “fazer uma poupança” ou ajudar na aquisição de um bem ou até mesmo “fazer um pé de meia para a sua aposentadoria”. Essa situação é menos usual, pois, na cabeça do fraudador o dinheiro da fraude é algo maldito, que pode ser rastreado e identificado a qualquer momento. Assim, geralmente o dinheiro obtido por uma fraude é gasto para a elevação ou manutenção de um padrão de vida por meio de viagens, roupas, gastos em finais de semana ou até mesmo tratamentos estéticos.
Um ponto que é pouco mencionado, mas que acontece com uma certa frequência, é a fraude pela pressão da empresa como, por exemplo, a busca por uma meta ou resultado. No mundo corporativo, a pressão pelo alcance de metas é extremamente pesada e muitas organizações e superiores acabam de forma velada ou até mesmo verbalizam o seguinte: “Eu não quero saber como você atingirá o resultado, eu só quero o número no final do mês”. Dessa forma, alguns funcionários podem se sentir pressionados e ameaçados com relação ao seu emprego e com isso acabam se sentindo indiretamente autorizados pelo seu superior para alterar um número ou uma informação que será apresentada aos executivos da empresa, acionistas e até mesmo para o mercado. Assim, demonstrando uma imagem e posição financeira que não representa a realidade da organização. Esse tipo de fraude acaba trazendo vantagens indevidas a todos envolvidos, desde o funcionário que altera as informações e números, assim sendo mantido no seu emprego e recebendo um bônus ou participação nos lucros maior do que deveria, o superior que tem seu bônus atrelado ao resultado de sua equipe e por conta da manipulação do funcionário aumenta sua participação e a empresa que apresenta uma imagem melhor para os acionistas e mercado e com isso pode atrair investimento ou conseguir linhas de crédito de maneira indevida.
Há ainda a fraude que pode ser ocasionada por status. No passado, tivemos um caso em que um funcionário que tinha um excelente desempenho técnico e sempre era elogiado pela Diretoria Executiva como um destaque da empresa teve uma oportunidade concedida pela própria Diretoria para assumir um cargo de gestão em uma das fábricas da organização, o qual ele não tinha a experiência de fato para esta atividade, mas estava sendo reconhecido pela Diretoria por todo o desempenho e comprometimento que havia tido em sua carreira. Ao assumir o cargo o funcionário foi alocado em uma fábrica com as piores condições e resultados e durante seis meses ele sempre tinha o pior resultado entre as quatro fábricas da empresa. A cobrança por um melhor desempenho juntamente com a exposição que ele tinha frente aos gerentes das outras três fábricas por ter o pior resultado e a mudança drástica pela falta de reconhecimento e elogio que o funcionário passou a ter mexeu com a sua cabeça e assim ele começou a manipular seus resultados para reconquistar aquele status que ele possuía quando ocupava o cargo anterior. Nesse caso, a questão do status de um excelente funcionário era tão importante para o entrevistado que nem mesmo o seu bônus era atrelado ao resultado da fábrica, ou seja, a manipulação ocorreu somente pelo anseio de novamente ser reconhecido.
Que instrumentos de governança são necessários para coibir fraudes?
Além da empresa possuir seus processos de trabalho definidos com segregação de funções, alçadas de aprovação para delimitar a autonomia dos funcionários e auditoria constante, ela necessita estabelecer uma cultura de Ética e Compliance focada nas pessoas com o engajamento da área de Compliance. Deixar uma mensagem muito clara aos candidatos, desde o processo seletivo, sobre o cuidado que ela possui com a integridade em suas relações. Uma forma de indicar isso é utilizando-se de Testes de Integridade no processo de seleção, que surgirão no exercício de suas funções.
É muito importante alimentar constantemente os funcionários sobre o que se é esperado pela empresa frente aos diversos dilemas éticos que podem surgir. Assim, por meio de palestras interativas e treinamentos práticos que fujam do tradicional slide de Powerpoint e que façam eles se envolverem por meio do exercício do protagonismo da decisão, ou seja, em um determinado dilema ético o funcionário tem que perceber que sua decisão poderá ter consequências positivas ou negativas para a organização e para ele, por isso ele deverá seguir o caminho correto.
Isso tudo deve ser suportado por um código de conduta que reflita os valores da empresa, mas que principalmente mostre as vantagens e desvantagens de atender ao esperado pela empresa, pois, um código de conduta que apenas indique o que não se pode fazer, mas não apresenta as vantagens e desvantagens da conduta tomada acaba sendo algo distante. Outro fator que ajuda consideravelmente na coibição de atos de fraude é a implantação de um canal de denúncias na empresa que dê conforto suficiente para os funcionários denunciarem os atos de maneira sigilosa. Assim, gerando a percepção que algo será feito e que a impunidade corporativa não ocorrerá. Dessa forma, a tendência é que possíveis fraudadores tenham receio de cometer algo, pois, seus companheiros de trabalho poderão denunciá-lo e a impunidade corporativa não reinará.
Como você avalia a Lei Anticorrupção?
Apesar de ter cinco anos, ainda vejo que há muito para evoluir. Apenas 15 Estados dos 27 da Federação regulamentaram a lei, o que acaba refletindo na aplicação da lei na qual apenas 7 Estados instauraram processos Administrativos de Responsabilização, sendo que o Espírito Santo se destaca. Dos 87 processos instaurados até o momento no Brasil, 16 foram concluídos, sendo 13 condenações no Espírito Santo, uma no Maranhão, Minas Gerais e São Paulo. Dessa forma, percebemos que o esforço está maior por parte das empresas por conta da implantação das ferramentas.
A governança (no que diz respeito a dimensão humana) já é bem trabalhada pelas empresas?
Ainda não é bem trabalhada, pois, algumas empresas ainda se preocupam mais com uma doutrina de governança e Compliance totalmente relacionada a imposição de regras e procedimentos, deixando de lado o fator humano. Uma empresa em que seus processos contemplem o desenvolvimento customizado de suas pessoas lhe fornecendo conteúdo, treinamento e suporte nos pontos vulneráveis de cada indivíduo se aproxima do mundo real e faz cada um pensar na busca pelo melhor caminho a seguir frente aos dilemas éticos que mantenha a sua reputação e não comprometa a empresa.
Demonstrações fraudulentas ainda é o principal fator que causa o maior impacto negativo para as corporações?
Não necessariamente. Demonstrações fraudulentas causam o maior impacto negativo nas corporações, pois, atos de corrupção do ponto de vista da imagem e da reputação também são bem sensíveis para as corporações. Contudo, atos de Demonstrações Fraudulentas geralmente causam maiores impactos financeiros por conta das manipulações de resultados que, se descobertas, causarão sérios prejuízos financeiros, principalmente em empresas de capital aberto listadas na bolsa.
Como uma organização pode chegar perto de uma ética corporativa ideal?
Eu costumo dizer que nenhuma empresa chegará perto da ética ideal, pelo simples fato desse movimento ter que ser constante. O que no passado não era aceito pelas empresas e sociedade, agora, dependendo do assunto, é aceito e o contrário também é uma verdade. O comprometimento da Diretoria Executiva é determinante para o desenvolvimento da ética corporativa, pois, os funcionários não podem ter a percepção que as atitudes de Compliance são apenas para cumprir a legislação ou “para inglês ver”. Se os funcionários tiverem a percepção de que esse assunto faz parte da pauta da empresa, que as normas e procedimentos são revisitados anualmente e que o fator humano tanto quando contratado pela empresa quanto já em atuação será suportado por um desenvolvimento customizado para aumentar seu grau de resiliência de integridade esse movimento sempre se retroalimentará.
Dimensão Humana: O sócio da S2 Consultoria, Mario Junior (Foto: Divulgação/AP)Qual a avaliação do Compliance nas empresas brasileiras?
O movimento é forte principalmente em grandes empresas nacionais e multinacionais. Grande parte delas estão dando maior ênfase no Compliance legalista, deixando de lado a dimensão humana. Algo que tem que estar muito claro é que a empresa pode ter normas, processos, procedimentos, código de conduta e um canal de denúncias, mas se ela não desenvolver a dimensão humana aumentando seu grau de resiliência frente aos dilemas éticos que surgirão no exercício das atividades, atos de fraude poderão ocorrer, pois, no final das contas, a decisão de fraudar ou não é da pessoa.
Um grande desafio que enxergo hoje é estender a onda de Compliance para empresas de médio e pequeno porte que ainda estão muito mais presas a atingir os resultados do que investir em Compliance, que nem sempre mostra um retorno palpável.
Quais as principais ferramentas para detectar as mentiras no ambiente de trabalho?
O Teste de Integridade PIR – Potencial de Integridade Resiliente, a entrevista de seleção, a entrevista de Compliance ético no processo de seleção e a entrevista investigativa moderna (para casos de fraude e assédio) são algumas das ferramentas para identificar dissimulações e a credibilidade do conteúdo verbal e não verbal apresentado por um entrevistado. Pesquisas de Referência que buscam levantar informações sobre empregos anteriores e experiências apresentadas nos currículos também são muito utilizadas. Existem também levantamentos mais aprofundados que por meio do acesso de informações públicas a empresa consegue entender todo o contexto de vida do seu funcionário ou candidato e até mesmo identificar se existe algum tipo de mídia negativa ou se ele é uma pessoa exposta politicamente.
As entrevistas fazem parte dessas ferramentas?
Sim, sem dúvida.
Qualquer pessoa pode notar esses indícios?
Não digo que qualquer pessoa pode perceber as dissimulações, mas qualquer pessoa pode ser treinada para tal. Algumas terão mais facilidade para observar essas dissimulações e outras não. Apenas com muita prática, estudo e condução de entrevistas essa habilidade será mais desenvolvida. Deve ficar muito claro que não existe um equipamento ou até mesmo uma pessoa que consiga com 100% de exatidão dizer que uma pessoa está falando a verdade ou mentira, mas baseado em uma observação muito criteriosa o entrevistador pode identificar sinais que geralmente são apresentados por pessoas que dissimulam e, assim, por meio de várias perguntas, conseguir chegar a consistência e recorrência destes sinais para então decidir sobre a dissimulação ou não em uma resposta.
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